sábado, 7 de maio de 2011

O QUE ESTOU LENDO - INFÂNCIA


RECIFE:
Clube de Leitura Penguin-Companhia/Livraria Cultura
Segunda, 9 de maio
LIVRO: Infância, de C.M. Coetzee. Companhia de bolso, 2010
HORÁRIO: 19h às 20h
LOCAL: Livraria Cultura do Shopping Paço Alfândega


Minhas palavras para Infância:

A qualquer tempo um romance pode ser lido num imaginário de distância atemporal, seja ao tocar numa relação amorosa ou familiar, em Infância essa atemporalidade somente uma vez é rompida quando para deduzir a idade da mãe o filho situa o começo da história em 1950. Bhabha (2010) descreve como “o imaginário da distância espacial” essa vivência de algo além das fronteiras do nosso tempo, que rompe com a história sequencial tal qual a conhecemos.


O livro a todo o momento remete a combinações binárias e de pesada escolha: passado-presente, pai-mãe, professor-aluno, alemão-russo, africâner-inglês, cidade-fazenda, infância-velhice cristão-católico. Mas em um único momento o céu e o inferno são intermediados pelo limbo da convivência dos opostos, principalmente quando o pequeno Coetzee está na fazenda de seu avô, momento que passado e presente e principalmente a sua história africânder ecoa por todos os lados:


Poucos meses mais velha que ele, Agnes foi designada sua companheira. Ela o levou para dar uma volta na savana. Foi descalça; nem mesmo possuía sapatos. Logo estavam no meio do nada e perderam a casa de vista. Começaram a conversar. Ela usava maria-chiquinha e tinha língua presa, o que lhe agradou. Ele perdeu a timidez. Ao falar, esqueceu qual língua estava usando; os pensamentos simplesmente se transformavam em palavras, palavras transparentes. (COETZEE, 2010, pag.87)


Infância: cenas da vida na província, de J.M. Coetzee é uma “ficção autobiográfica” semelhante ao que ocorre hoje nos documentários em que há uma tendência de narrativa na forma de história, confundindo-se pessoa e personagem que no mais das vezes representam a si mesmos em seus cotidianos, por vezes não se distingue entre o momento da ficção e da realidade, e mesmo quando realidade, do que é espontâneo ou do que é conduzido diretamente pelo “roteiro”.
O livro é narrado na terceira pessoa, - “ele agradece a Deus por sua mãe falar inglês” – sendo o primeiro de uma trilogia complementada pelos livros Juventude e Verão que narram respectivamente uma fase da juventude e da vida adulta de Coetzee.


Há uma condução discreta, mas muito bem feita, à imagem de uma criança. O leitor identifica-se com essa imagem, não é um adulto mostrando as suas memórias, mas uma criança que dialoga – no tempo presente- e quase perceptível – tocável aos olhos. Apenas numa das passagens a criança é chamada pelo nome, John, o que leva a uma assimilação de uma infância que pode pertencer a qualquer um, e a qualquer um oprimido deste a tenra idade, sendo essa “ingenuidade literária” uma das características de uma “sociopaisagem descrita em cuidadosos detalhes gerais.” Não há necessidade de especificar qualquer nome.


No Infância, esse auto testemunho do seu tempo traz no primeiro momento a sensação de perfeito realismo e a admiração pelas memórias tão nítidas de um jovem garoto de 11 a 13 anos, na década de 50, até por que não surge dúvida de que a narração é de um garoto. Não se pensa no Coetzee que com 28 anos era doutor em linguística das línguas germânicas pela Universidade do Texas, em Austin. Que foi professor de inglês na Universidade do Estado de Nova Iorque, permaneceu no país até ter seu visto de permanência negado, retornando à África do Sul. Coetzee que emigrou para Austrália em 2002 ligando à Universidade de Adelaide, que curiosamente entre seus docentes notáveis mais três Oscar.


Coetzee narra sua história na perspectiva de sua família, por vezes exaltando a mãe por ter lhe proporcionado a formação na língua inglesa que o diferencia dos garotos africânderes, e por vezes ressaltando o lado insolente, preguiçoso e incompetente do pai que simboliza todo o seu desprezo ambíguo pelos africânderes.


No Infância, não há necessariamente “resistência” a uma colonização, trata-se de uma família sul-africana, branca, que vive a “assimilação” às avessas, pois rejeita a sua “origem” para circular entre os colonizadores ingleses. Indo mais além, o conflito do menino entre a escolha da figura paterna ou materna para referencial afetivo pode ser visto como a luta entre seu lado africânder e a língua inglesa, não necessariamente qualquer sentimento de pertença à Inglaterra, pois sequer existe ancestralidade inglesa em seu lado materno, mas a escolha da língua inglesa entremuros perpassa primeiro por uma negação. O mais interessante é perquirir o que se quer negar e não o que se quer assumir.

“Por falarem inglês em casa e por sempre ser o primeiro da classe em inglês, ele se considera inglês. Embora seu sobrenome seja africânder, embora o pai seja mais africânder que inglês, embora ele mesmo fale africânder sem sotaque inglês, jamais poderia passar por um africânder.” (COETZEE, 2010, pg.114).


As angústias do menino John possuem uma legitimidade emocional marcada pelo percurso e descontinuidades do seu povo, e agradecer a Deus por sua mãe ter-lhe ensinado o inglês revela toda a sua ideia de nação:


“Há boatos de que o governo vai ordenar que todas as crianças com sobrenome africânderes sejam transferidas para as turmas de língua africânder. Os pais dele conversam sobre isso em voz baixa; estão claramente preocupados. Quanto a ele, é invadido pelo pânico ao pensar em mudar-se para uma turma africânder. Diz aos pais que não vai obedecer, vai se recusar a frequentar a escola. Eles tentam acalmá-lo: “Nada disso vai acontecer. É só conversa. Vai demorar muito para fazerem alguma coisa”, dizem. Ele não fica tranquilo.
Ele fica sabendo que caberá aos inspetores escolares remover os falsos meninos ingleses das turmas inglesas. Vive temendo o dia em que o inspetor chegará, percorrerá a lista com o dedo, lerá o nome dele e lhe dirá para arrumar os cadernos. Tem um plano para esse dia, cuidadosamente preparado. Ele arrumará os cadernos e sairá da classe sem protestar. Mas não irá para a turma africânder. Calmamente, para não chamar a atenção, andará até o galpão das bicicletas, pegará a sua e correrá para casa sem que ninguém possa alcançá-lo, trancará a porta da frente e dirá à mãe que não voltará para a escola e que, se ela o trair, ele irá se matar.” (COETZEE, 2010, pag.66)


A violência do Apartheid é retratada por Coetzee quando a família, com muitas dívidas, recebe um senhor negro que gozava de situação financeira melhor e a quem o pai devia certa quantia em dinheiro:


Então, há uma visita do sr. Golding. Embora o sr. Golding seja negro, de certa forma ocupa uma posição de poder sobre o pai. Fazem-se cuidadosos preparativos para a visita, o sr. Golding será recebido na sala de estar, como os outros cobradores, e lhe oferecerão chá na mesma louça. Por tratar o sr. Golding tão bem, se espera que ele não entre com um processo.
O sr. Golding chega. Usa terno jaquetão, não sorri. Toma o chá que sua mãe serve, mas não promete nada. Quer o dinheiro dele.
Depois que ele sai, há uma discussão sobre o que fazer com a xícara de chá. O costume, ao que parece, é que quando uma pessoa de cor bebe numa xícara, ela tem de ser quebrada. Ele fica surpreso que a família da mãe, que não acredita em nada, acredite nisso. No entanto, afinal, a mãe apenas lava a xícara com alvejante. (COETZEE, 2010, pag. 143)

Para o pequeno Coetzee aqueles túmulos eram o cenotáfio do que ainda existia nele de Africânder:
“ O avô é o único Coetzee ali, o único que morreu desde que a fazenda pertence à família. Foi ali que ele terminou, o homem que começou como vendedor ambulante em Piketberg, depois abriu uma loja em Laingsburg e tornou-se prefeito da cidade, depois comprou o hotel na Fraserburg Road. Ele está enterrado, mas a fazenda ainda lhe pertence. Seus filhos correm sobre ela como anões, e seus netos, como anões de anões.
Do outro lado da estrada existe um segundo cemitério, sem cerca, onde algumas covas foram tão batidas pelo tempo que se reabsorveram na terra. Ali repousam os empregados e servidores da fazenda, remontando a Outa Jaap e muito antes. As poucas lápides que restam de pé não têm nomes ou datas. No entanto, ele sente ali mais reverência do que entre as gerações de Bote reunidas em torno do avô. Não tem nada a ver com espíritos. Ninguém no Karoo acredita em espíritos. Qualquer coisa que morra ali, morre firme e definitivamente: a carne é comida pelas formigas, os ossos são branqueados pelo sol, e é tudo. Mas, entre aqueles túmulos, ele anda com nervosismo. Da terra sai um silêncio profundo, tão profundo que quase parece um murmúrio.” (COETZEE, 2010, pag.90)


E somente poderia concluir com Bhabha:

Quando a visibilidade histórica já se apagou, quando o presente do indicativo do testemunho perder o poder de capturar, aí os deslocamentos da memória e as indireções da arte nos oferecem a imagem de nossa sobrevivência psíquica. Viver no mundo estranho, encontrar suas ambivalências e ambiguidades encenadas na casa da ficção, ou encontrar sua separação e divisão representadas na obra de arte, é também afirmar um profundo desejo de solidariedade social: “Estou buscando o encontro... quero o encontro... quero o encontro.” (BHABHA, 1998, PAG.42).


Eis Infância, por mim.

Irene Cardoso Sousa


quinta-feira, 5 de maio de 2011


Carta de aceite para Apresentadores de Trabalho



Prezado(a) Irene Cardoso Sousa

Temos a satisfação de informar que seu trabalho intitulado "A pessoa idosa excluída da rede social e da política de saúde mental no Brasil e na África, seja na ILPI ou hospital psquiátrico: internamento até a morte." foi aceito no Simpósio Temático "44. LOUCURA E SOCIEDADE: OS NOVOS DESAFIOS NA PREVENÇÃO, PROMOÇÃO E CUIDADOS NA SAÚDE MENTAL", coordenado por "BRENO AUGUSTO SOUTO MAIOR FONTES (Pós Doutor(a) - Universidade Federal de Pernambuco), ELIANE MARIA MONTEIRO DA FONTE (Pós Doutor(a) - Universidade Federal de Pernambuco), MARIA DE FÁTIMA PEREIRA ALVES (Doutor(a) - CEMRI e Universidade Aberta), SÍLVIA PORTUGAL (Doutor(a) - Centro de Estudos Sociais, Universidade Coimbra)".

Data e hora da apresentação: Sessão 9 - 10/08 - 4ª feira Tarde (16:15 - 18:15).

Lembramos aos selecionados que o envio do trabalho completo se encerra no dia 03/06!

A Comissão Organizadora agradece a colaboração e conta com sua presença no XI Congresso Luso Afro Brasileiro de Ciências Sociais.

Atenciosamente,

Comissão Organizadora

XI Congresso Luso Afro Brasileiro de Ciências Sociais


RESUMO DO TRABALHO



A pessoa idosa excluída da rede social e da política de saúde mental no Brasil e na África, seja na ILPI ou hospital psiquiátrico: internamento até a morte.

No Brasil os idosos são cerca de 11% da população, devendo dobrar em termos absolutos por volta de 2030. Caramano (2007) ao discorrer sobre o processo biológico do envelhecimento destaca o declínio das capacidades físicas com o inter-social e cultural que o relaciona com fragilidades psicológicas e comportamentais.
A vulnerabilidade decorrente desse envelhecimento começa a ter aspectos mais relevantes, pois a estrutura da família passa a excluir do seu convívio o que se tornou um obstáculo, um entrave para a rotina doméstica, redesenhando o novo perfil da pessoa idosa, que ao lado de outros 100 mil, segundo dados de 2003, estão nas ILPIs, Instituições de Longa Permanência para Idosos.
Com a reforma psiquiátrica uma parte da demanda reprimida do antigo sistema manicomial está hoje nessas ILPIs, sem rede de saúde mental, dentro da lógica asilar de tutela, controle e exclusão, que segundo Perrusi (2010), ainda é uma lógica vigente. Longe dos serviços terapêuticos substitutivos, os idosos frágeis e dependentes permanecem abrigados sem sua vontade expressa, mas segundo Foucault (1978), é a exclusão social do louco, nesse contexto simplesmente “idoso”. Em recente análise dos paradigmas institucionais em gerontologia, Vieira (2006) afirmou que os asilos reproduziam os abusos cometidos em outras instituições de exclusão social, ou seja, eram espaços de cultura manicomial. Há que se analisar o realocamento do público que se ainda vigesse o sistema de manicômio, estariam lá sendo internados.
Em Angola, os idosos representam 4% da população, refletindo a recente história política do País. O idoso também não tem acesso a uma rede de saúde mental que se reporte a sua condição de envelhecimento, sendo também tratado como doente e internado em hospitais psiquiátricos, segundo a mesma lógica residual manicomial no Brasil, que apesar da reforma também exclui.
Segundo levantamento de Viegas e Bernardo (2010), no único Hospital Psiquiátrico de Luanda, as pessoas com mais de 50 anos correspondiam a 40% dos utentes atendidos em 2009, refletindo, segundo os pesquisadores, a prevalência dos transtornos mentais em determinadas gerações da população angolana, e no que se refere aos idosos traçam as expectativas pessoais e sociais desse grupo para justificar sua alta incidência nos leitos psiquiátricos. Os autores ao analisar as redes sociais de apoio aos internados apontam o abandono de familiares como um grande problema para a reinserção dos “compensados”. As famílias recusam-se a receber de volta os internados.
No Brasil, o controle social do comportamento desviante do idoso é exercido pelas ILPIs que sem a garantia do tratamento psiquiátrico, sem fazer parte da rede de assistência à saúde mental, e sem a autonomia do idoso abriga até a morte. Em países que ainda permitem a permanência de pacientes em hospitais psiquiátricos, ocorre a mesma violência, com a mesma conseqüência em virtude da exclusão, tutela e controle, ou seja, o internamento até a morte.